Já era por volta de 1 hora de hoje, quando a juíza leu a sentença que
condenou cinco acusados de matar a travesti Dandara dos Santos a 83 anos de
prisão, se somadas as penas. O crime bárbaro, ocorrido no bairro Bom Jardim, em
Fortaleza, repercutiu no País e internacionalmente. O caso foi elucidado pela
Polícia, denunciado e julgado em apenas 414 dias (cerca de um ano e dois
meses).
Francisco José Monteiro de Oliveira Júnior, conhecido como ‘Chupa
Cabra’; Jean Victor Silva Oliveira; Rafael Alves da Silva Paiva, o ‘Buiú’; e
Francisco Gabriel Campos dos Reis, o ‘Didi’ ou ‘Gigia’, foram condenados por
homicídio triplamente qualificado (por motivo torpe, meio cruel e uso de
recurso que impossibilitou a defesa da vítima). Já para Isaías da Silva
Camurça, o ‘Zazá’, não incidiu a qualificadora da impossibilidade de defesa da
vítima. Os cinco irão cumprir a pena em regime fechado. A defesa de um dos réus
irá recorrer da decisão do Conselho de Sentença da 1ª Vara do Júri e a dos
demais vai analisar a possibilidade de ingressar com recurso no Tribunal de
Justiça do Ceará (TJCE).
A sessão foi presidida pela juíza Danielle Pontes de Arruda Pinheiro. A
acusação foi feita pelo promotor de Justiça Marcus Renan Palácio e pelo
assistente de acusação, advogado Hélio Leitão. A acusação afirmou ter ficado
plenamente satisfeita com o resultado do júri.
Nenhuma testemunha foi arrolada para depor no julgamento. Um a um, os
acusados foram interrogados pela juíza, pela acusação e pela defesa, em frente ao
plenário lotado. Eles confessaram estar no local do crime e até agredir o corpo
de Dandara, mas negaram que a mataram, no bairro Bom Jardim, em Fortaleza, no
dia 15 de fevereiro do ano passado. A travesti foi alvo de chutes, pedradas,
pauladas e tiros.
‘Chupa Cabra’ contou a sua participação na ação criminosa, que culminou
com dois disparos efetuados por ele contra Dandara. A defesa do réu é que a
travesti foi alvejada após estar morta. “Eu vi os ‘caras’ passando e comentaram
que pegaram um cara roubando. Eu fui com eles. Cheguei lá, a vítima já tava
morta. O B... (adolescente) deu o primeiro tiro. Eu dei mais dois”.
O promotor Marcus Renan, titular da Promotoria da 1ª Vara do Júri de
Fortaleza, e o advogado de defesa Pedro Henrique Bezerra dos Santos questionaram
como o réu sabia que Dandara já estava morta e ele respondeu que ela não
esbanjava reação aos tiros. Por fim, ‘Chupa Cabra’ se mostrou arrependido e
pediu desculpas aos familiares da vítima. “Eu quero pedir perdão a toda
família. Eu fiz isso porque estava iludido com o mundo. Hoje eu sirvo Jesus. Eu
aprendi que a gente tem que ter amor no coração”, concluiu. O promotor Marcus
Renan Palácio destacou em sua fala: “o perdão o senhor peça ao Todo Poderoso.
Aqui não é convento das carmelitas. Aqui é o Tribunal de Justiça”, disse.
Jean Victor afirmou que estava trabalhando como auxiliar de pedreiro,
ajudando seu pai em uma obra, quando visualizou um grupo agredindo uma pessoa e
foi até lá. O vídeo do crime, que viralizou nas redes sociais, mostra o rapaz
batendo três vezes na travesti, com uma tábua de madeira. Depois disso, ele diz
que foi embora. “Falaram que ela (Dandara) estava roubando e não aceitam isso
lá. Eu nem sei o que passou na minha mente para fazer isso”, justificou.
Os acusados foram questionados se pertenciam a alguma facção criminosa e
também negaram. ‘Zazá’ chegou a ser identificado, na investigação, como membro
da Família do Norte (FDN). O detento disse que teve pena de Dandara, assumiu
ter dito “Carniça, tá até de calcinha” no vídeo (apesar de não aparecer) e
clamou por liberdade para ficar com o filho de três anos. Ele é suspeito por
outro homicídio.
Defesa
Em comum, todas as defesas dos acusados de matar Dandara dos Santos
afirmaram que os participantes da ação não tiveram responsabilidade direta para
que a travesti morresse. Para os advogados particulares e defensores públicos,
foi um adolescente o responsável pelas agressões que resultaram no traumatismo
craniano da vítima.
Logo após a acusação do Ministério Público, o defensor público Francisco
Barreto, responsável por apresentar as versões de Jean Victor Silva Oliveira e
Rafael Alves, afirmou que, nenhum dos seus amparados, sequer portava arma de
fogo: “a acusação tem que mostrar quem matou Dandara. As pessoas devem ser
punidas nas medidas das suas participações, disse. Caroline Bezerra, defensora
de Francisco Gabriel, disse que a participação do acusado se resumiu a “dar
duas chineladas”, sendo assim, necessária punição por lesão corporal. O
advogado de Isaías da Silva Camurça interveio que seu cliente não colaborou no
homicídio, sendo sua participação resumida à voz que aparece no vídeo
proferindo xingamentos contra Dandara.
Já a defesa de Francisco José Monteiro de Oliveira, representada por
Pedro Henrique Bezerra, assumiu que ele disparou um tiro contra a travesti.
Porém, ressaltou que, para Monteiro, quando ele atirou, a vítima já não tinha
mais vida.
Réplica
Às 19h15, quando iniciada a réplica da acusação do Ministério Público, o
promotor Marcus Renan Palácio disse “estou para dizer que foi eu quem matou
Dandara”, ironizou após as defesas terem redimido o grupo de acusado da culpa
pelo assassinato. “Dandara chorava e pedia pela presença da mãe como uma
criança. Ninguém matou Dandara? Foi um raio que caiu em cima da cabeça dela? Uma
pedra que caiu do prédio? Dandara se mutilou?”, afirmou o representante do MP
pedindo que o vídeo do crime fosse reexibido ao júri.
Na sessão, o promotor recordou que houve uma possível omissão da Polícia
em atender aos chamados de socorro dos que viram a travesti ser espancada. Para
Marcus Renan, o socorro, segundo os autos, aconteceu, cerca de uma hora após a
primeira ligação feita por um morador.
O MP denunciou mais três réus pelo crime. Dois deles estão foragidos há
mais de um ano: Francisco Wellington Teles e Jonatha Willyan Sousa da Silva. “O
Ministério Público fez sua parte. O Judiciário atendeu ao requerimento e
decretou as prisões preventivas dos dois acusados que se encontram foragidos”.
O outro acusado, Júlio César Braga Costa, chegou a ser pronunciado para o Júri
Popular, mas recorreu da decisão e aguarda que o pedido seja analisado.