“Desculpem a bagunça, é que eu
ainda estou me organizando”. Com esta frase a dona de casa Zildemir Alves da
Silva acolheu em sua residência dom Gilberto Pastana, na tarde do sábado, dia 8
de abril. O bispo esteve em Assaré e viu mais de perto os danos causados pela
enchente provocada pelo rompimento da barragem do Açude dos Montes.
Na
verdade, ao falar estas palavras à dom Pastana, Zildemir expressou, com o
olhar, que esta organização ia além dos danos materiais. Era a própria vida
retornando a sua cotidianidade, afinal, algo que era visto somente através dos
jornais televisivos no Sul do país, tão distante, foi vivenciado, de forma nua
e crua, por um povo que sofria a escassez de chuva há cinco anos. Aquele dia 17
de março de 2017 jamais será apagado da memória.
“Quando
eu vou no meio do corredor a água já vinha acompanhando e eu mais depressa
fechei a porta e sai com ele”, ela falou, apontando para o filho André Pereira,
de seis anos. “Não recolhi nada, porque não teve como […] Então eu peguei ele e
sai. Quando eu saí fora, já saí pegada nos portões, nas paredes, porque a água
já estava com muita força e subindo aqui dentro de casa […] Praticamente perdi
tudo”, recordou a dona de casa.
Zildemir mora no bairro Casas Populares, o mais próximo do açude, e um
dos cinco atingidos pela enchente. Mas o drama vivenciado por ela não foi muito
diferente do que passou a costureira Rosangela Gomes que reside no centro de
Assaré, o bairro mais distante alcançado pela correnteza. A água invadiu a casa
fazendo com que ela perdesse, dentre outras coisas, todo o material de trabalho.
Segundo o coordenador da Defesa
Civil do município, Paulo Renan, 214 famílias foram atingidas e três casas
interditadas por risco de desabamento. A análise feita pela Defesa Civil ainda
concluiu que a causa da enchente se deveu à falta de manutenção e à
inexistência de um “sangradouro”, canal por onde a água se desvia. No dia do
acidente, Assaré teve a segunda maior precipitação do Estado, com chuva de 88.0
mm, de acordo com Fundação Cearense de Meteorologia e Recursos Hídricos –
Funceme.
Com
o desastre, campanhas de cunho emergencial foram desenvolvidas pelo poder
público e por diversas instituições, que se solidarizaram com a situação. O
Centro de Referência de Assistência Social (CRAS) fez relatórios técnicos para
cada domicilio e, à medida que as doações iam chegando, o órgão fazia os
repasses. Fogões, geladeiras, cestas básicas, kits de cama, mesa, banho,
limpeza e higiene pessoal foram encaminhados às famílias
“Fizemos o controle do público
mais prioritário, o que cada família perdeu e de que forma podíamos ajudar a
cada uma, individualmente”, explicou Beatriz Arrais, coordenadora do CRAS, que
junto à Secretária de Saúde, à Defesa Civil e à Secretaria de Obras trabalharam
de domingo a domingo, manhã, tarde e noite para acabar, o mais rápido possível,
com aquele cenário de medo, angústia e desespero.
O
poder público também contou com outras instituições, dentre elas a Igreja
Católica, representada pela Paróquia Nossa Senhora das Dores, que tem como
pároco o padre Ronaldo do Nascimento. Ele, mobilizando os agentes de pastoral
para unirem-se ao Centro de Referência Especializado de Assistência Social –
CREAS –, ajudou na organização do material que chegava.
“Fizemos
uma mobilização na Forania V para arrecadar doações, além da assistência
espiritual”, disse o pároco, agradecendo a solidariedade de todas as paróquias
da região e de outras foranias, que se sensibilizaram com o momento. É a
unidade viva da Igreja
E sobre o encontro de dom Pastana com uma das famílias, vinte e dois
dias após o desastre? Ele aconteceu de forma simples, inesperada para ela, na
escuta atenta das palavras de desabafo, de conforto, no diálogo acolhedor e foi
concluído de forma singela, com a oração do Pai- Nosso, afinal, passar por tudo
isso e manter no rosto o sorriso, como o de Zildemir, é acreditar que, através
da fé, é possível superar todas as barreiras e que só através dela se pode
recomeçar.